quarta-feira, 3 de julho de 2013

Vidas Sem Rumo

Infelizmente, ao contrário das grandes potências cinematográficas, Portugal nunca obteve do público o reconhecimento merecido por suas produções, tampouco por seus diretores e atores. Desde os primórdios, quando o cinema português dependia exclusivamente de Aurélio Paz dos Reis, os filmes baseavam-se na rotina das pessoas. Fazer um resumo sobre a história e desenvolvimento do cinema português requer muita pesquisa, o que me levaria a trazer aos leitores uma longa sequência de textos. Hoje, especialmente, trarei um nome pouco conhecido mas que certamente fez grande diferença no mundo cinematográfico: Manuel Guimarães. Dono de uma vasta filmografia, foi responsável por produzir em 1956, Vidas sem Rumo, uma das obras mais peculiares do cinema português. Tendo seu estilo muitas vezes comparado ao neo-realismo italiano, Guimarães deixa claro em seus filmes uma forma única de conduzir o elenco. Numa vila onde as pessoas viviam presas em seu próprio mundo, distantes umas das outras, são surpreendidas com a chegada de uma criança misteriosa.

Preocupados com o bem estar da criança, aos poucos vão se aproximando e movendo-se em ações em prol da mesma. Em consequência dessa agitação traz a tona emoções até então guardadas em segredo, como por exemplo o tímido Pardal (Eugénio Salvador), que se expressava apenas através de sua pequena gaita, e um dia resolve declarar seu amor à Gaivota (Milú), a garota cuja a vida se resumia a esperar pelo marinheiro que lhe roubara o coração. O cínico Meia Lua (Artur Semedo) que mantinha um romance escondido com a bela Marlene (Madalena Sotto) dançarina do bar, e repudiava o amor da desesperada Ana (Maria Albergaria).

Em torno da história, o narrador/personagem (Jacinto Ramos) conduz o espectador num misto de realidade e fantasia. Vidas Sem Rumo consumiu todo capital de Manuel Guimarães, e despontava como a grande obra do cinema português da época, porém vítima das atrocidades da censura salazarista, que destruiu permanentemente boa parte das filmagens a obra por pouco deixou de existir. Apesar da história contar que ele utilizou todos os seus recursos financeiros na produção de Vidas Sem Rumo, o filme não apresenta grandes cenários ou recursos cinematográficos porém a história em si revela a genialidade boicotada deste grande produtor e diretor português.


Bastidores: Manuel Guimarães - Um gênio contra a ditadura
Em 19 de Agosto de 1915, nascia em Valmaior/Portugal, Manuel Fernandes Pinheiro Guimarães; que mais tarde viria a se tornar simplesmente o produtor e diretor Manuel Guimarães, um dos grandes nomes do cinema português.Após concluir o Curso Geral dos Liceus, passou a estudar pintura em 1931, na Escola de Belas Artes do Porto. Iniciou, então, a carreira artisitca como ilustrador, caricaturista e decorador teatral, sendo responsável pela criação dos cartazes para os filmes de cinema. Esta aproximação despertou seu interesse pela arte cinematográfica e passou a trabalhar como assistente de produção em 1936. A convivência com nomes expressivos como Manoel de Oliveira, António Lopes Ribeiro,entre outros; foi o suporte para que realizasse em 1949 o curta-metragem  O Desterrado; documentário sobre a vida e obra de Soares dos Reis, pelo qual ganhou o Prêmio Paz dos Reis.

Porém, somente dois anos mais tarde, em 1951, realizou seu primeiro longa-metragem, Saltimbancos,um filme que tinha como tema central o dia- à-dia de um pequeno circo ambulante, baseado na obra literária do escritor Leão Penedo. No ano seguinte começou a despontar seu estilo neo-realista com o filme Nazaré, refilmagem do clássico de 1929; no qual abordava a vida dos pescadores da cidade título desta feita. como uma crítica social. No entanto o filme não caiu nas graças da censura do regime Salazar que via nas produções cinematográficas; um perigo maior do que as obras literárias e seus conteúdos "subversivos", e lhe impôs vários cortes antes da exibição nas telas de cinema.

(Foto: Dórdio Guimarães) Indiferente ás pressões, em 1956 produziu Vidas Sem Rumo, que trazia argumentos de sua própria autoria, porém a obra foi destroçada pela censura e o filme perdeu quase todo seu significado. Essa opressão levou Manuel Guimarães`a produzir filmes com caráter comercial. Em parceria com o produtor António da Cunha Telles, produziu os filmes O Crime da Aldeia Velha (1964) e O trigo e o Joio (1965); o primeiro uma adaptação da peça de Bernardo Santareno e o segundo da obra de Fernando Namora. Porém o publico em geral já estava voltado para outras temáticas de entretenimento,e com a pouca aceitação de seus novos trabalhos, Guimarães retomou a produção de documentários com temas artísticos. À partir dai, sua vida sofreu altos e baixos, chegando a retomar sua carreira de grafismo trabalhando para ilustrações de jornais locais. A Revolução dos Cravos (golpe militar ocorrido no dia 25 de Abril de 1974) trouxe novas perspectivas para Guimarães retomar seu estilo neo-realista sem correr o risco de ser perseguido pela censura, e com isso deu inicio, do mesmo ano, à  produção do filme Cântico Final, adaptação da obra homônima de Vergílio Ferreira. Entretanto, com a saúde debilitada, Guimarães não conseguiu concluir as filmagens, falecendo em 29 de Janeiro de 1975 na cidade de Lisboa, aos 59 anos de idade. Seu filho Dórdio Guimarães assumiu a responsabilidade de concluir as gravações e o filme foi lançado um ano após a morte do pai, em 1976, com os créditos de direção atribuídos a Manuel Guimarães. A critica especializada considera que Manuel Guimarães foi muito injustiçado não somente pela ditadura Salazar, como também pela própria critica e público da época.

9 comentários:

renatocinema disse...

Filho de português, com orgulho, tenho uma falha grave: conheço pouco do cinema de Portugal....Só conheço umas 4 obras.

Pecado grave.

disse...

Conheço pouco do cinema português, mas admiro Manoel de Oliveira, o simpático centenário.
Não só em Portugal, muitos diretores tiveram suas obras censuradas por ditaduras. Apesar de estar destroçada, fiquei interessada por Vidas sem Rumo.
Beijos!

Suzane Weck disse...

Ola Ruby,parece que acertastes em cheio para divulgar o cinema de Portugal.Vejo que como eu muita gente vai querer se inteirar mais deste assunto.Cheguei quase a esquecer que muita coisa boa existe no mundo cinematográfico de Portugal.Brilhante teu assunto e tua excelente postagem.Meu maior abraço.SU.

REINVENTANDO disse...

Realmente não vemos muitas divulgações sobre filmes em Portugal. Belo post para conhecer história de quem trabalhou com cinema.
Abraços.Sandra

M. disse...

Rubi, estava com saudades de comentar aqui. Não conhecia este filme! Aliás assisti a muito poucos filmes portugueses!

Bia Alencar disse...

Com seu texto, me toquei que nunca vi um filme português! É incrivel como Portugal não conseguiu a mesma fama no cinema do quer seus vizinhos europeus.
E o filme, pela história, parece ser ótimo! Abraços,

Lúcia Soares disse...

Amiga
lindo teu blog, tudo de bom

Tsu disse...

Oi Rubi ^^
Vou confessar..nunca vi um filme de Portugal e nem sabia que eles faziam filmes @_@ Fiquei bem por fora agora ahahaha
Olha só!!! As obras de Jack London e até ele mesmo são pouco conhecidas atualmente, mas o cara escrevia muito bem. Desde quando meu blog tem tantos comments? ahaha tá loooonge! Eu achoque preciso melhorar muito nele, estou sempre tentando fazer o possível para balancear tudo e pensar em alguma coisa...tento fazer os artigos sempre com carinho e é muito gratificante ver o retorno do pessoal ^^
bjs

Jefferson C. Vendrame disse...

Fiquei curioso para ver esse filme. A trama, ao meu ver, parece ser ótima. É incrível como a ditadura atrasou o andamento de tantas obras ao redor do mundo... Lamentável...

Grande Abraço!

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